Distinguidos trabalhos de três cientistas sobre física dos lasers. As aplicações das tecnologias dos lasers agora premiadas passam por ajudar a desvendar os mistérios de vírus e células e pelo uso em cirurgias oftalmológicas.

O Prémio Nobel da Física de 2018 vai para três investigadores sobre os seus trabalhos na física dos lasers – anunciou dia 2 de outubro de manhã a Real Academia Sueca das Ciências em Estocolmo. Metade do prémio, no valor monetário de nove milhões de coroas suecas, ou 866 mil euros, vai para o norte-americano Arthur Ashkin e a outra metade para o francês Gérard Mourou e a canadiana Donna Strickland. No anúncio, o comité resumiu que o prémio vai para “as ferramentas feitas de luz” ou, na justificação mais formal, para “invenções revolucionárias no campo da física dos lasers”. 

Até agora, em toda a história dos Prémios Nobel, criados em 1901, apenas duas mulheres tinham recebido o Nobel da Física: Marie Curie em 1903 (também distinguida com o Nobel da Química em 1911) e Maria Goeppert-Mayer em 1963. Portanto, há 55 anos que uma mulher não fazia parte do rol de laureados desta prestigiada distinção. Donna Strickland junta-se agora a este clube muitíssimo restrito.

Arthur Ashkin, dos Laboratórios Bell (em Holmdel, nos EUA), desenvolveu uma técnica de laser descrita como “pinças ópticas”, que é usada para estudar sistemas biológicos e para controlar minúsculos organismos vivos.

Já Gérard Mourou, da Escola Politécnica (em Palaiseau, França) e da Universidade do Michigan (EUA), e Donna Strickland, da Universidade de Waterloo (Canadá), desenvolveram novas formas de produzir impulsos de laser de alta intensidade e muito curtos a partir de uma técnica que inventaram chamada chirped pulse amplification (CPA), que em português poderá designar-se como “amplificação de impulsos com dispersão temporal”, ou ainda “amplificação de impulsos com trinado”.

Os avanços dos três laureados ocorreram nos anos 80. Nascido em 1922 em Nova Iorque, Arthur Ashkin inventou as tais pinças ópticas, utilizando luz laser para movimentar pequenas partículas para o centro do feixe de luz e mantê-las aí, explica-se num comunicado da Real Academia Sueca das Ciências – ou seja, utilizando a pressão de um feixe de luz poderiam empurrar-se objectos microscópicos e aprisioná-los numa certa posição. Conseguia assim tornar realidade o que a ficção científica já tinha inventado há muito, acrescenta o comunicado: fazer mexer objectos físicos usando a luz.

As pinças ópticas são capazes de apanhar partículas, átomos, vírus e células vivas. Foi em 1987 que Arthur Ashkin conseguiu um grande avanço científico, ao utilizar as pinças ópticas para capturar bactérias vivas sem que elas ficassem danificadas, como explica o comunicado: “Começou imediatamente a estudar sistemas biológicos e as pinças ópticas são agora largamente utilizadas para investigar a maquinaria da vida.” Pela invenção das “pinças ópticas e a sua aplicação aos sistemas biológicos”, como justifica o comité do Nobel, metade do prémio vai para Arthur Ashkin.

Quanto a Gérard Mourou e Donna Strickland, trabalharam juntos, tendo lançado as bases para o desenvolvimento dos lasers de menor duração e mais intensos alguma vez criados pela humanidade. Na verdade, Mourou (nascido em 1944 em Albertville) foi o orientador da tese de doutoramento de Donna Strickland (nascida em 1959 em Guelph), como ela destacou na conversa telefónica durante a cerimónia de anúncio do Nobel deste ano. “Gérard foi o meu mentor. Ele fez tantas descobertas anteriores. É fantástico.”

O artigo científico considerado revolucionário de Donna Strickland foi publicado em 1985, vindo a ser o cerne da sua tese de doutoramento. Publicado na revista Optics Communications, Gérard Mourou era o outro autor, ambos então na Universidade de Rochester, nos Estados Unidos. Incrível ainda nesta história científica é que esse artigo científico foi o primeiro que Donna Strickland publicou na vida e que, ao fim de 33 anos, viria a dar-lhe visibilidade mediática mundial com a atribuição do Nobel.

A técnica de CPA consiste na criação de impulsos de laser de duração ultracurta e grande intensidade sem que o material óptico sofra danos. Primeiro, usa-se um impulso de laser de curta duração, depois aumenta-se a sua duração, a seguir esse impulso alargado temporalmente é amplificado e, por fim, é comprimido para uma duração próxima da original. “Se um impulso é comprimido temporalmente e fica com menor duração, então mais luz é empacotada no mesmo espaço minúsculo – a intensidade do impulso aumenta de forma drástica”, nota o comunicado.

A técnica CPA é hoje utilizada, por exemplo, de forma rotineira por todo o mundo em cirurgias oftalmológicas que utilizam lasers.

By Jornal Público em 2 de Outubro de 2018